Como o Estresse Mecânico Molda a Cromatina e o Núcleo das Células Epiteliais
Introdução
Os tecidos epiteliais, fundamentais no corpo humano, estão sujeitos a uma série de forças mecânicas diariamente. Essas forças, incluindo estiramentos e compressões, podem causar deformações de larga escala nesses tecidos. Enquanto o estresse mecânico pode comprometer a integridade de certos tecidos, como no caso de células cancerígenas, que são vulneráveis a danos nucleares e quebras no DNA (Denais et al., 2016), as células epiteliais não cancerosas, como células progenitoras da epiderme (CPEs), conseguem suportar essas pressões sem danos evidentes (Latorre et al., 2018). Esse fenômeno levanta uma questão: como essas células são capazes de resistir ao estresse mecânico e preservar sua integridade?
A Estrutura Nuclear: Primeira Linha de Defesa
O núcleo das células epiteliais é cercado por um envelope nuclear (NE), que consiste em uma membrana dupla integrada ao retículo endoplasmático (RE). Esse envelope protege o material genético e é reforçado por uma malha de proteínas intermediárias chamadas laminares (Gruenbaum & Foisner, 2015). A lâmina nuclear oferece uma estrutura resistente e é conectada ao citoesqueleto da célula, que sustenta e distribui as forças externas, minimizando os impactos sobre o núcleo. Em suma, esse arranjo estrutural é a base de um mecanismo sofisticado de mecanoproteção.
Dentro do núcleo, a cromatina é organizada de maneira a proteger a expressão gênica e manter a estabilidade do DNA. Camadas de heterocromatina altamente condensada ficam próximas à lâmina nuclear e possuem baixa densidade genética, uma característica associada ao silenciamento genético (Buchwalter et al., 2019). Essas áreas de heterocromatina contêm modificações específicas de histonas (H3K9me2, H3K9me3) que ajudam a manter o DNA seguro e inativo, evitando a expressão descontrolada dos genes. A interrupção desse sistema de silenciamento pode causar sérios problemas na organização e expressão da cromatina (Nicetto et al., 2019).
O Efeito das Forças Mecânicas na Cromatina e no Núcleo
Estudos recentes indicam que o microambiente celular pode deformar a cromatina e alterar a expressão gênica. Este estudo específico expôs monocamadas de células progenitoras epiteliais (EPCs) a amplitudes variáveis de estiramento mecânico uniaxial cíclico. Os resultados revelaram que o estiramento de alta amplitude desencadeia uma resposta imediata de deformação nuclear, seguida pela liberação de cálcio via Piezo1 do RE, o que reduz os níveis de heterocromatina H3K9me3 associada à lâmina nuclear e torna o núcleo mais flexível.
Quando o fluxo de cálcio é inibido ou os níveis de heterocromatina aumentam artificialmente, a cromatina não consegue se adaptar à nova mecânica, resultando em danos ao DNA. Esse tipo de dano ocorre, por exemplo, no contexto do câncer, onde as células têm menos resiliência a forças mecânicas.
Observações Chave e Resultados do Estudo
1. Cromatina e Mecanorrespostas Supracelulares
Ao analisar as respostas das células epiteliais a estiramentos variáveis, os pesquisadores observaram uma reorientação gradual da F-actina e dos núcleos. Em amplitudes de estiramento de 40%, os núcleos das células se reorientaram e se alinharam em um ângulo perpendicular à direção da força. Esse realinhamento da monocamada foi observado entre 30 e 360 minutos, mas amplitudes menores, como 5%, foram insuficientes para induzir essa resposta estrutural.
2. Polimerização de Actina Perinuclear e Heterocromatina
Um dos achados mais intrigantes foi a formação de um anel de actina ao redor do núcleo em estiramentos de 5%, que parece ser uma resposta rápida e que ocorre mesmo sem um realinhamento supracelular completo. Esse processo envolve uma polimerização de actina que ajuda a proteger a integridade nuclear em baixas amplitudes de estiramento.
Em estiramentos de 40%, a resposta perinuclear foi transitória, enquanto em 5%, a organização perinuclear se manteve por períodos mais longos, sugerindo que a polimerização da actina em torno do núcleo é um mecanismo de resposta que atua mais rapidamente em condições de baixo estiramento.
3. Efeitos na Fosforilação e Regulação Genômica
Em condições de estiramento de 40%, a cromatina experimentou mudanças significativas na modificação de histonas, principalmente na fosforilação de H3K9me3, uma marca epigenética que reprime a transcrição gênica. Observou-se que essas modificações foram transitórias, revertendo-se com o tempo. No entanto, sob condições de estiramento prolongado e de alta amplitude, os genes responsáveis pela adesão celular e pelos processos epigenéticos foram regulados positivamente, indicando que o estiramento pode reconfigurar temporariamente o ambiente genético das células.
Além disso, em estiramentos de baixa amplitude, a heterocromatina e os níveis de fosforilação de proteínas como Lamin A, B1 e B2 permaneceram mais estáveis, indicando uma resposta celular distinta e dependente da amplitude.
4. Heterocromatina e Regiões Não Codificantes
O estudo descobriu que as mudanças na ocupação de H3K9me3 ocorrem, em grande parte, em regiões não codificantes, especialmente nas extremidades dos cromossomos (regiões subteloméricas). Essa alteração não resultou em modificações imediatas na expressão gênica, mas sugere uma possível função protetiva, já que a heterocromatina dessas áreas não codificantes ajuda a manter o DNA em estado estável, longe de processos que poderiam comprometer a integridade genômica.
Conclusão: A Relevância do Estudo na Mecanobiologia
Esse estudo avança nossa compreensão sobre a capacidade das células epiteliais de suportar estresses mecânicos sem comprometer a integridade do núcleo. Em células não cancerosas, as respostas estruturais, como a reorientação supracelular e o endurecimento do envelope nuclear, ajudam a dispersar as forças e proteger o DNA. Esses mecanismos de defesa são essenciais para manter a homeostase dos tecidos, especialmente em áreas do corpo sujeitas a constante estresse mecânico, como a pele.
Esses achados revelam que, enquanto as células epiteliais saudáveis possuem mecanismos de adaptação e proteção frente ao estresse mecânico, as células cancerígenas frequentemente carecem desses mecanismos. Isso torna o estudo um ponto de partida promissor para explorar terapias baseadas na manipulação da estrutura nuclear e da mecânica celular, com potenciais implicações em tratamentos que visam fortalecer as defesas celulares em tecidos sujeitos a traumas constantes ou mesmo em terapias anticâncer.
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