Processo de Cicatrização de Feridas e o Desenvolvimento de Fibrose Cutânea

 

O processo de cicatrização de feridas engloba diversas fases sequenciais que se iniciam imediatamente após a ocorrência de uma lesão cutânea, compreendendo a hemostasia, a inflamação, a proliferação e a remodelação tecidual. No momento inicial, logo após a ruptura tecidual, observa-se a aglomeração de plaquetas nos locais de vasos sanguíneos danificados, formando um tampão para prevenir o sangramento exagerado. Estes agregados plaquetários são ricos em fibrina, fornecendo um arcabouço de proteínas essenciais e moléculas sinalizadoras que favorecem o avanço da cura em direção à etapa inflamatória.

A fase inflamatória é marcada pela quimiotaxia de monócitos, que são atraídos ao local da lesão pela sinalização inflamatória, migrando para o leito da ferida. Neste local, são induzidos a se diferenciar em macrófagos por meio de sinalizações específicas. Esses macrófagos, juntamente com neutrófilos recrutados e macrófagos residentes, empenham-se na remoção de agentes nocivos e materiais estranhos presentes na ferida. Em feridas crônicas, essa fase tende a ser prolongada, comprometendo o progresso eficaz da cicatrização.

Contrariamente, em feridas agudas, segue-se um desbridamento celular eficiente por macrófagos e outras células, que então secretam sinalizadores para atrair fibroblastos ao local da lesão. Estes, por sua vez, diferenciam-se em miofibroblastos, possuindo capacidade contrátil devido aos feixes de actina alfa do músculo liso (α-SMA), e iniciam a síntese de colágeno e componentes da matriz extracelular (ECM), essenciais para o processo de cicatrização.

Na fase subsequente, conforme a ferida se encerra, as células passam por alterações fenotípicas impulsionadas por sinalização celular, direcionando o foco para a reorganização dos componentes recém-formados, visando formar uma cicatriz final. Metaloproteinases de matriz (MMPs) e seus inibidores, os inibidores teciduais de metaloproteinases (TIMPs), atuam na remodelação dos feixes de colágeno e da ECM. Esse estágio culmina na formação de uma cicatriz que, apesar de finalizada, apresenta diferenças estruturais e de resistência em relação à pele não lesionada.

As variações individuais na cicatrização podem resultar em maior propensão à formação de queloides e cicatrizes hipertróficas, impactando negativamente o bem-estar dos indivíduos e acarretando significativos gastos com tratamentos cicatriciais. Portanto, aprofundar o entendimento sobre a formação de cicatrizes pode contribuir para a prevenção de resultados adversos.

Mecanotransdução na Pele e Feridas

A pele é continuamente sujeita a forças tanto intrínsecas quanto extrínsecas, com a resposta a essas forças sendo determinada pelas propriedades biomecânicas e pela rigidez da pele, que variam conforme a localização anatômica. Os estímulos mecânicos influenciam significativamente o processo de cicatrização de feridas e podem aumentar a susceptibilidade à formação exacerbada de cicatrizes em áreas específicas do corpo. A prática da cirurgia plástica moderna inclui técnicas mecanomoduladoras como a zetaplastia e o uso de steristrips para mitigar a tensão no local da ferida, reduzindo a formação de cicatrizes, embora ainda exista margem para aprimoramento.

Para uma compreensão abrangente das intervenções destinadas a minimizar cicatrizes e fibrose, é crucial entender o mecanismo da mecanotransdução nos níveis celular e tecidual, assim como as vias de sinalização afetadas pela força mecânica. A aplicação de força física sobre a pele traduz-se na conversão de sinais mecânicos em informações químicas, facilitada por moléculas específicas que atuam como pontes de transmissão dessas informações às células. Este processo, conhecido como modelo de tensegridade celular, destaca a importância da matriz extracelular (MEC) e do líquido extracelular (LEC) na transdução das forças mecânicas às células, influenciando a constante remodelação cutânea.

 

As estruturas transmembrana são cruciais nesse contexto, uma vez que a membrana celular é intrinsecamente fluida e necessita de componentes especializados para a transdução de forças mecânicas. Elementos do citoesqueleto (como actina e RhoA), canais iônicos, complexos de catenina, moléculas de adesão celular (incluindo adesões focais e integrinas), além de diversas vias de sinalização (por exemplo, Wnt, FAK-ERK, MAPK/ERK) desempenham papéis significativos como mecanossensores. Estes sensores são responsáveis por converter os estímulos mecânicos recebidos pela MEC em uma cascata de respostas sinalizadoras dentro das células, desencadeando processos celulares e teciduais específicos.

 

Por exemplo, alterações na MEC, como as observadas na pele envelhecida, resultam na redução da capacidade dos fibroblastos em responder a estímulos mecânicos, culminando em uma diminuição na produção de colágeno. Simultaneamente, observa-se um aumento na atividade das metaloproteinases de matriz (MMPs), enzimas responsáveis pela degradação do colágeno. Esta dinâmica contribui para a deterioração estrutural da pele com o envelhecimento.

 

  • O reconhecimento de mecanossensores e a compreensão de suas funções na transdução de sinais mecânicos abrem novas perspectivas para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas destinadas a mitigar a formação de cicatrizes e fibrose. As abordagens da “próxima geração” em mecanotransdução buscam explorar intervenções biomoleculares inovadoras para reduzir ainda mais a incidência e a gravidade das cicatrizes, representando um avanço promissor na medicina regenerativa e estética. Portanto, o aprofundamento no estudo da mecanotransdução não apenas enriquece nosso entendimento sobre a cicatrização de feridas e a formação de fibrose, mas também catalisa o desenvolvimento de terapias mais eficazes e menos invasivas para o tratamento de condições cutâneas.

Inibição da Formação de Cicatrizes Hipertróficas Através da Mecanomodulação: Um Estudo em Modelo Murino

 

A investigação da prevenção da cicatriz hipertrófica (HTS) utilizando um modelo murino, que simula a formação de cicatrizes induzida por estresse mecânico, tem revelado insights significativos sobre a relação entre a mecanomodulação e o processo de cicatrização. A aplicação de uma carga mecânica contínua nas incisões levou a uma resposta fibrótica aumentada e à formação de HTS, ilustrando a conexão direta entre a mecanomodulação e a cicatrização através do estímulo de uma resposta inflamatória.

 

Este vínculo é corroborado por evidências clínicas que destacam a relevância do estresse mecânico no desenvolvimento de cicatrizes. O emprego de dispositivos de compressão em pacientes durante o período pós-operatório demonstrou ser eficaz na redução do tamanho das cicatrizes, conforme observado em diversos ensaios clínicos randomizados. Notavelmente, o uso de um curativo de silicone elastomérico contrátil provou ser particularmente benéfico, promovendo a melhoria das cicatrizes por meio da aplicação de força compressiva sobre a incisão e, consequentemente, atenuando o estresse na ferida.

 

De modo similar, a aplicação de fita adesiva sobre as cicatrizes, conforme investigado em vários estudos clínicos, demonstrou um impacto positivo na melhoria da aparência das cicatrizes. Esses resultados sublinham a eficácia da mecanomodulação como uma estratégia promissora para o manejo e a prevenção das cicatrizes hipertróficas, apontando para a necessidade de explorar ainda mais essa abordagem terapêutica com o objetivo de otimizar os resultados da cicatrização e reduzir o desenvolvimento de cicatrizes adversas.

 

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