Compreendendo a Fáscia Toracolombar: Uma Perspectiva Anatômica e Embriológica

Antes de nos aprofundarmos na complexidade da Fáscia Toracolombar (TLF) e das estruturas adjacentes, é primordial esclarecer a definição de fáscia dentro de um contexto orgânico e médico. A fáscia é frequentemente um tópico de discussão que suscita mal-entendidos e interpretações variadas no campo da medicina, com definições flutuando entre textos e até mesmo fronteiras (Singer, 1935; Wendell-Smith, 1997). Uma compreensão clara e precisa deste termo é essencial para correlacionar adequadamente as pesquisas anatômicas e biomecânicas existentes.

Historicamente, a literatura anatômica, incluindo as versões inglesa e americana dos renomados textos de anatomia de Henry Gray, apresenta uma definição uniforme de fáscia. Este tecido é caracterizado como uma rede de tecido conjuntivo dotada de fibras colágenas dispostas de forma irregular, distinta das fibras regularmente alinhadas encontradas em tendões, ligamentos e lâminas aponeuróticas (Clemente, 1985; Standring, 2008). Este arranjo peculiar de fibras colágenas concede à fáscia a capacidade de acondicionar tecidos e oferecer resistência multidirecional a forças tensionais. Em contrapartida, tendões, ligamentos e aponeuroses, com suas fibras colágenas ordenadas, são especializados para suportar forças máximas em direções específicas, tornando-os susceptíveis a tensões ou forças de cisalhamento em outros ângulos. Portanto, aponeuroses, diferenciando-se da fáscia, são essencialmente tendões achatados formados por feixes de fibras colágenas de disposição regular, uma distinção também reconhecida pela Terminologia Anatomica do Comitê Federativo de Terminologia Anatômica (1998). A fáscia, com sua estrutura de fibras colágenas irregularmente dispostas, é ideal para resistir a estresses em várias direções (Willard et al., 2011), enquanto o termo “retináculo” refere-se a uma “faixa ou ligamento de retenção”, frequentemente descrito como um “espessamento em forma de tira de tecido conjuntivo denso” (Stedman’s Medical Dictionary, 2000; Benjamin, 2009). Portanto, bandas sem fibras colágenas regularmente arranjadas são mais apropriadamente classificadas como fáscia, ao passo que aquelas com um arranjo regular, como as situadas ao redor do tornozelo, devem ser consideradas ligamentos (Benjamin, 2009).

O foco deste estudo, o TLF, é uma complexa interação de estruturas aponeuróticas e camadas fasciais. Tradicionalmente, essa estrutura multicamadas tem sido classificada como “fáscia”. Para evitar qualquer ambiguidade neste artigo, optaremos por manter a nomenclatura tradicional, referindo-nos ao TLF como fáscia.

A Classificação da Fáscia

A fáscia, de acordo com uma classificação generalista, pode ser dividida em quatro categorias principais. A primeira é a fáscia panicular ou superficial, que envolve externamente o corpo; seguida pela fáscia profunda ou investidora, que encapsula o sistema músculo-esquelético. Este tecido também recebe a denominação de fáscia axial ou apendicular, dependendo de sua localização específica (Wilard, 2012). A terceira categoria é a fáscia meníngea, que protege o sistema nervoso central, e a quarta é a fáscia visceral ou esplâncnica, revestindo as cavidades corporais e seus órgãos internos. Estas camadas podem ser visualizadas como uma série de tubos concêntricos, oferecendo uma compreensão estrutural detalhada do sistema fascial (Willard et al., 2011). Contrariamente, outras metodologias de classificação mais regionalizadas foram propostas para a fáscia, como as descritas por Benjamin (2009).

Historicamente, o termo “panículo” referia-se ao tecido areolar ou gordura subcutânea, além da própria fáscia (panniculus adiposus; Romanes, 1981). Estudos recentes reexaminaram essa camada, confirmando sua subdivisão em três subcamadas distintas (Chopra et al., 2011; Lancerotto et al., 2011). A fáscia superficial, portanto, consiste em duas camadas adiposas – superficial e profunda – separadas pela própria fáscia. Esta estrutura em subcamadas propõe uma descrição abrangente do tecido subcutâneo em todo o corpo (Lancerotto et al., 2011).

Abaixo da fáscia superficial, encontra-se a fáscia investidora ou profunda do sistema músculo-esquelético. Esta camada é notavelmente mais espessa e densa, geralmente de cor branco-azulada, normalmente isenta de gordura e frequentemente descrita como “semelhante a feltro” em sua composição e textura. Ela envolve ossos, cartilagens, músculos, tendões, ligamentos e aponeuroses, integrando-se perfeitamente ao periósteo ósseo, ao epimísio do músculo esquelético e ao peritenônio de tendões e ligamentos (Singer, 1935; Schaeffer, 1953). Embora não explicitamente nomeada, esta camada de fáscia também se estende até quaisquer aponeuroses associadas, representando a camada irregular e translúcida que deve ser cuidadosamente dissecada para revelar as fibras colágenas regularmente dispostas subjacentes na aponeurose (Bogduk & Macintosh, 1984).

A fáscia investidora (ou profunda) é categorizada com base na localização em duas variantes: aquela que envolve os músculos do tronco ou torso (fáscia investidora axial) e aquela que circunda os músculos das extremidades (fáscia investidora apendicular). A fáscia revestidora axial é regionalmente dividida em fáscia hipaxial, que envolve músculos localizados anteriormente aos processos transversais das vértebras, e fáscia epaxial, que circunda os músculos desenvolvidos posteriormente a esses processos. A terminologia comumente usada para o TLF, especificamente a lâmina profunda da camada posterior (PLF), é um exemplo da fáscia epaxial. As fáscias hipaxial e epaxial convergem próximo aos processos transversos, formando um septo intermuscular ligado ao processo transverso das vértebras, criando uma estrutura complexa que engloba tanto a cavidade toracoabdominopélvica quanto os músculos delineados pelos processos espinhosos das vértebras.

A embriogênese dos músculos dos membros superiores desempenha um papel central na sua conexão anatômica com o tronco, originando-se do mesênquima presente no broto do membro e se estendendo para a parte somática do corpo, contudo sem invadi-la. Esta progressão resulta na formação de uma bainha fascial apendicular, semelhante a um cone invertido, que se molda ao contorno afunilado do tórax, proporcionando suporte estrutural para os membros superiores (Willard, 2012). No aspecto proximal destes membros, cada músculo busca pontos de fixação no tronco, porém é impedido de atravessar a musculatura axial diretamente (Clemente, 1985). Os músculos peitorais e o serrátil anterior estabelecem suas fixações nas costelas e nas membranas fasciais hipaxiais que recobrem os músculos hipaxiais, enquanto os músculos trapézio e rombóide alcançam a linha média dorsal. De maneira similar, o músculo Latíssimo do Dorso (LD) circunda o tronco para se inserir na linha média da região toracolombar, seguindo diagonalmente até se ligar à fáscia investidora dos músculos epaxiais, alcançando em alguns casos a crista ilíaca (Clemente, 1985; Yahia & Vacher, 2011).

A literatura embriológica de Bailey & Miller (1916) sugere que os músculos paraespinhais (epaxiais) devem estar contidos dentro de uma bainha fascial contínua (retináculo), que se estende dos processos espinhosos e do ligamento supraespinhoso, abraçando a borda lateral dos músculos até atingir as pontas dos processos transversos. Espera-se que essa bainha fascial se prolongue de maneira ininterrupta desde a base do crânio até o sacro, formando um retináculo suporte para os músculos paraespinhais e permitindo que os músculos que fazem a ponte nas extremidades se anexem à bainha, mas sem atravessá-la. Consequentemente, em alinhamento com o desenvolvimento dos membros superiores, antecipa-se que os músculos que fazem a ponte criem uma camada externa (lâmina superficial da FLP) que recobre o retináculo paraespinhal, estabelecendo assim uma interconexão estrutural complexa e funcional entre o tronco e os membros superiores.

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